Brasil Império

Pinacoteca de São Bernardo do Campo

Fevereiro de 2023

 

Brasil Império.
Alexandre Frangioni

Os primeiros dias de 2023 foram caracterizados por acontecimentos marcantes, alguns deles perturbadores. A invasão das sedes dos três poderes em Brasília no dia 8 de janeiroinundou as retinas com cenas da mais horrenda barbárie destrutiva. O ataque, aindaque chocante, não chega a ser surpreendente, dada a atmosfera de polarização que vemse tornando mais e mais evidente nos últimos anos.

As raízes deste estado de ânimo, por outro lado, são bem mais antigas. Ao contrário da imagem de harmonia e tolerância que tradicionalmente se tentou promover nacional e internacionalmente, o Brasil sempre foi um país de muita violência, muita desigualdade e muita injustiça. Nessa cultura forjada nos embates entre dominantes e dominados, o vermelho vivo da madeira que dá nome ao território também aparece nas disputas sangrentas de ontem e de hoje.

Em Brasil Império, Alexandre Frangioni aborda relações de poder em trabalhos que interligam diferentes tempos da história do país a partir de uma perspectiva coletiva que diz respeito a diversos grupos da sociedade, muitos deles desde sempre (e ainda agora) aviltados. As questões levantadas não são estranhas ao cidadão comum, mas o artistaas apresenta através de elementos familiares arranjados de maneira sagaz e, muitasvezes, irônica.

A escolha dos materiais é uma etapa crucial no processo criativo de Frangioni – coisas,afinal, são carregadas de significados. É o caso da peroba rosa de Utopia, usada nas obras iniciais da capital federal, ou a madeira de demolição das antigas fazendas dos oligarcas de Minas Gerais que apoia as dog tags com os nomes e Estados de origem de deputados em Congresso Nacional 2015-18. O brasão do Exército Brasileiro no centro de Bandeira do Brasil III, de 2021, nos remete a 1964 e antecipa as expectativas delirantes dos extremistas do último janeiro. Cova Rasa é construída com réplicas de tijolos de uma olaria do século XIX, embora o título também nos relembre os quase 700 mil mortos da primeira pandemia do século XXI. Cocar – Agro é pop, composta porcédulas, foi elaborada tendo em mente o genocídio indígena como um todo, mas ganhamais camadas com a recente decretação de emergência de saúde pública do povoYanomami, vitimado pelo mercúrio e pelo abandono na esteira da expansão criminosado garimpo.

A disposição dos trabalhos no espaço expositivo é pensada para evidenciar as tensões entre forças conflitantes. No centro, as duas obras tridimensionais privilegiam a horizontalidade, sem barrar a visão das demais. É nessas duas que experimentamos os efeitos da construção simbólica de uma cultura responsável por um ambiente de violência endêmico. Ainda que seja esta a realidade, é possível criar outras maneiras deexistir e, principalmente, coexistir de modo mais justo e fraterno. Mas primeiro é preciso olhar e, sobretudo, admitir aquilo de que somos feitos.

Sylvia Werneck