De 14 de Fevereiro a 5 de Maio de 2023.

Curadoria de Sylvia Werneck

Brasil Império

Os primeiros dias de 2023 foram caracterizados por acontecimentos marcantes, alguns deles perturbadores. A invasão das sedes dos três poderes em Brasília no dia 8 de janeiro inundou as retinas com cenas da mais horrenda barbárie destrutiva. O ataque, ainda que chocante, não chega a ser surpreendente, dada a atmosfera de polarização que vem se tornando mais e mais evidente nos últimos anos.

As raízes deste estado de ânimo, por outro lado, são bem mais antigas. Ao contrário da imagem de harmonia e tolerância que tradicionalmente se tentou promover nacional e internacionalmente, o Brasil sempre foi um país de muita violência, muita desigualdade e muita injustiça. Nessa cultura forjada nos embates entre dominantes e dominados, o vermelho vivo da madeira que dá nome ao território também aparece nas disputas sangrentas de ontem e de hoje.

Em Brasil Império, Alexandre Frangioni aborda relações de poder em trabalhos que interligam diferentes tempos da história do país a partir de uma perspectiva coletiva que diz respeito a diversos grupos da sociedade, muitos deles desde sempre (e ainda agora) aviltados. As questões levantadas não são estranhas ao cidadão comum, mas o artista as apresenta através de elementos familiares arranjados de maneira sagaz e, muitas vezes, irônica.

A escolha dos materiais é uma etapa crucial no processo criativo de Frangioni – coisas, afinal, são carregadas de significados. É o caso da peroba rosa de Utopia, usada nas obras iniciais da capital federal, ou a madeira de demolição das antigas fazendas dos oligarcas de Minas Gerais que apoia as dog tags com os nomes e Estados de origem de deputados em Congresso Nacional 2015-18. O brasão do Exército Brasileiro no centro de Bandeira do Brasil III, de 2021, nos remete a 1964 e antecipa as expectativas delirantes dos extremistas do último janeiro. Cova Rasa é construída com réplicas de tijolos de uma olaria do século XIX, embora o título também nos relembre os quase 700 mil mortos da primeira pandemia do século XXI. Cocar – Agro é pop, composta por cédulas, foi elaborada tendo em mente o genocídio indígena como um todo, mas ganha mais camadas com a recente decretação de emergência de saúde pública do povo Yanomami, vitimado pelo mercúrio e pelo abandono na esteira da expansão criminosa do garimpo.

A disposição dos trabalhos no espaço expositivo é pensada para evidenciar as tensões entre forças conflitantes. No centro, as duas obras tridimensionais privilegiam a horizontalidade, sem barrar a visão das demais. É nessas duas que experimentamos os efeitos da construção simbólica de uma cultura responsável por um ambiente de violência endêmico. Ainda que seja esta a realidade, é possível criar outras maneiras de existir e, principalmente, coexistir de modo mais justo e fraterno. Mas primeiro é preciso olhar e, sobretudo, admitir aquilo de que somos feitos.

Sylvia Werneck
Curadora

A EXPOSIÇÃO

AS OBRAS

“Congresso Nacional 2015/18”, 2019
211 x 200 cm

Em 2018, por ocasião das eleições presidenciais, surge “Congresso Nacional 2015/18”, (2019), que propõe discutir as relações entre a história política brasileira (como por exemplo a política do café com leite) e a polarização nas eleições presidenciais de 2018, ou as conexões com a ditadura civil-militar no Brasil.

Como proposta à discussão, foram utilizados materiais que possuem poder simbólico, tais como: tábuas de madeira de demolição de assoalhos de antigas fazendas de MG; cravos de metal envelhecidos com produtos químicos e calor, utilizados na fixação de ferraduras para cavalos; e 760 dog tags, cada um gravado com o nome do partido e do estado dos deputados federais que faziam parte do Congresso Nacional Brasileiro de 2015 à 2018.

“Utopia”, 2020
100 x 197 cm

“Utopia” (2020) se refere ao projeto da capital federal idealizado por Niemeyer e Lúcio Costa, que pretendia estimular uma conduta responsável e solidária por parte de governantes e governados a partir do desenho urbanístico.

A obra reproduz o desenho do Plano Diretor de Brasília. As quadras da asa Norte e Sul são representadas por pequenos blocos com acabamento em concreto aparente fixados em painel de madeira com gravação a laser.

No eixo central as peças são feitas em caibro de peroba rosa para aludir ao sistema de construção utilizado na época. Mais ainda, como referência às paredes do Catetinho, residência oficial da presidência em Brasília no período de construção da cidade, utilizou-se o lambri branco. Por fim, os partidos e estados de origem de todos os presidentes do Brasil estão gravados em um conjunto de dog tags de aço inoxidável fixados na porção inferior do painel de madeira com cravos metálicos.

“Bandeira do Brasil – II”, 2020
98 x 140 cm

“Bandeira do Brasil – II” (2020) – reflete sobre os valores da sociedade contemporânea desde colonização portuguesa. Persistem os interesses de poucos em detrimento do coletivo; ações como a exploração desenfreada dos recursos naturais em prol do lucro de uma minoria, que deveriam ser inibidas são incentivadas através de leis injustas e tendenciosas.

“Bandeira do Brasil II” foi montada a partir de três diferentes madeiras, Canela, Angelim e Curupixá, encaixadas entre si e cada qual representando uma das partes da bandeira do Brasil. Sobre estas madeiras foram gravadas palavras e cruzes em alto e baixo relevo, com a intenção de apresentar os valores e a realidade de nossos dias de hoje.

“Bandeira do Brasil III”, 2021
150 x 260 cm

“Bandeira do Brasil III” (2022), apresenta as relações entre os três poderes e as forças armadas no Brasil. Ela está construída a partir do uso de diferentes lonas na cor verde e o brasão do exército que foi bordado com diferentes tecidos. Na parte interna do Brasão foram colocadas as insígnias que fazem parte das patentes do exército brasileiro na mesma disposição em que estão as estrelas da bandeira do Brasil.

“Tratados”, 2021
142 x 464 cm

“Tratados” (2021), surge a partir da comparação do poder sobre a ocupação da terra e seus povos nativos entre o período de colonização do Brasil e os dias atuais. O Tratado de Tordesilhas é utilizado para abordar o período da Colonização e Império do Brasil, propondo uma reflexão sobre a família real portuguesa e seu poder sobre o Brasil Colônia e a população nativa.

“Tratados” é composto por treze peças. Doze peças reproduzem as páginas originais do Tratado de Tordesilhas impressas sobre couro ecológico e costuradas em fio dourado sobre veludo vermelho e emolduradas em madeira pintada na cor dourada. A décima terceira é uma peça de madeira onde estão pendurados 474 dog tags de madeira com os dados recentes dos povos originários, como forma de representação da violência sofrida por estes povos desde o descobrimento do Brasil.

“Cocar – Agro é Pop”, 2022
126 x 75 x 05 cm

“Cocar – Agro é Pop” (2022), apresenta as relações emtre os interesses econômicos frente a ocupação desenfreada de terras dos povos originários brasileiros. O uso indiscriminado de vastas regiões que são ocupadas, desmatadas e posteriormente utilizadas como pasto para criação de gado, às vezes de forma ilegal e violenta com o objetivo de um beneficio econômico e sob o falso pretexto da busca pelo desenvolvimento nacional.

“Cocar – Agro é Pop” é composto de um cocar com “penas” feitas de cédulas de dinheiro (cruzados) e montado sobre um tecido de linho cru. A amarração da peça é feita com corda de sisal trançada e suas pontas pintadas com tinta vermelha. Na parte inferior direita do cocar existe uma tira de couro gravada a quente com os dizeres AGRO É POP.

“Tronco”, 2022
30 x 235 x 118 cm

“Tronco”, 2022 é construido com madeira de demolição (travessa horizontal), dormente de trilhos de trem (travessa vertical) e ferragens de metal envelhecidas. A peça será instalada deitada no piso do espaço expositivo e tem como referência ferramentas de tortura e castigo utilizados em escravos.

Emergência- Império I”, 2022
70 x 36 x 14 cm

“Emergência- Império I” (2022), deriva da série Em caso de Emergência, em que o uso das caixas de emergência servem para apresentar temas da atualidade. A série propõe uma reflexão sobre assuntos ligados a questões políticas, sócio econômicas e ambientas que impactam no dia a dia das pessoas.

“Emergência- Império II”, 2022
70 x 36 x 14 cm

Para estas obras foram utilizadas madeira de demolição na contrução da caixa, tampa de acrílico, placas de cobre gravadas a laser com as inscrições “Em Caso de Emergência Quebre o Vidro”e “Para Uso Exclusivo do Imperador” e um freio de burro (Império I) e uma ferradura usada (Império II), além de martelos envelhecidos de madeira e aço e cordão de couro.

Brasão

Imagem da página inicial de abertura, após leitura do QR code.

“QR Code – Azulejos Portugueses”, 2022
126 x 126 cm

“QR Code – Azulejos Portugueses” é construído a partir do uso de 625 azulejos com medida de 5×5 cm com queima de azulejos no desenho de azulejos portugueses tradicionais no formato de um QR Code. A leitura do código por leitores, presente nos recursos de aparelhes celulares, “carrega”uma pagina na web com referências as ações da colonização portuguesa no território brasileiro.

“Tesouro Nacional”, 2022
145 x 550 cm

“Tesouro Nacional” é construído a partir das imagens de 36 efigies presentes nas cédulas de dinheiro do Brasil entre os anos de 1920 e 1993.

As 36 peças são feitas em impressão sobre papel de algodão com medidas de 42 x 40 cm cada e serão expostas em 3 fileiras contendo 12 peças cada.

“Ouro de Tolo”, 2022
145 x 45 x 60 cm

“Ouro de Tolo”, 2022 é construído por um conjunto de anéis (1 peça folhada a ouro de 6 cm de diâmetro e três anéis de prata com 2 cm de diâmetro com os dizeres Dei Ouro Para o Bem do Brasil – 1990, 1932, 1964 e 2018 respectivamente) gravados em relevo na parte externa dos anéis.

As datas de 1932 e 1964 fazem referência as campanhas dos governos de São Paulo e Federal respectivamente, que tentaram sensibilizar as população para que doasse ouro e suas riquezas para financiamento da revolução de 1932 e em 1964 para o pagamento da dívida externa. As outras datas tem com referência em 1990 o Plano Collor e em 2018 as eleições presidenciais.

Os anéis estão montados em um expositor de madeira com cúpula de acrílico e placas de identificação douradas (estas duas últimas ainda não disponíveis no momento da fotografia).

“Cova Rasa”, 2022
50 x 208 x 80 cm

“Cova Rasa”, 2022 é construido a partir do uso de réplicas de tijolos da Imperial Olaria, situada em Campinas, que em 1875 receberam a autorização de Dom Pedro I para uso do brasão imperial brasileiro nos tijolos.

Aproximadamente 230 tijolos são agrupados no chão do espaço expositivo, formando

um bloco com medidas de 50 x 208 x 80 cm, que representam as medidas básicas de uma cova rasa de forma invertida em relação ao solo.

O EVENTO DE ABERTURA